segunda-feira, 20 de junho de 2011

Capítulo de Introdução de minha primeira Etnografia

Este aqui é um capítulo de introdução da minha primeira etnografia que fiz na minha vida (merece comemoração... rs) Decidi compartilhar com vocês este momento e espero futuramente escrevê-lo em alguma participação ou evento de semana de antropologia, ou algo do tipo...

TEMA: "JOVENS DE CLASSE MÉDIA E O USO DE DROGAS"



INTRODUÇÃO – METODOLOGIA

O meu exposto trabalho foi resultado de intensa busca e lapidação para o resultado final. É de grande importância salientar sobre as dúvidas e empecilhos que encontrei ao longo do meu projeto para realizá-lo. Deste modo, Precisava “inventar” um tema de pesquisa, lidar minimamente com uma bibliografia específica desconhecida, formular hipóteses e perseguir objetivos que nem sabia quais eram. Foi deste modo que em junho de 2011 na véspera de apresentação de meu primeiro trabalho etnográfico em Antropologia II, descobri, ou melhor, reavaliei o meu tema, fazendo que eu ampliasse o tema de conhecimento e desse um caráter mais “científico”.

Em outro ponto, eu nunca possui muitos conhecimentos, muito menos realizei trabalhos sobre a temática das “drogas”. Assim Evans-Pritchard, ao tecer considerações sobre o trabalho de campo, escreveu:

“Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os Azande tinham; e assim tive de me deixar guiar por eles. Não me interessava particularmente por vacas quando fui aos Nuer, mas os Nuer, sim; e assim tive aos poucos, querendo ou não, que me tornar um especialista em gado.” (Evans- Pritchard, 2005 [1976]:245)

Essa era também a minha situação. Eu teria de me tornar um “especialista” em “drogas”, já que era por “drogas” que meus “objetos” de estudo se interessavam. Desse modo, para aprofundar no tema, dei início a uma incursão ao universo das “drogas” e comecei a ler vários trabalhos que fora escrito sobre o assunto, principalmente nas ciências sociais brasileira. Nesse contexto é que li, pela primeira vez, Nobres e Anjos, de Gilberto Velho. Foi este livro, uma etnografia de dois grupos da Zona Sul do Rio de Janeiro que consumiam tóxicos na década de 70, que me inspirou no sentido de ampliar meu campo investigativo.

Ainda que Gilberto Velho não se refira diretamente à questão de identidade, é ela que se apresenta. Isto porque todo o seu trabalho vai no sentido de mostrar que o tóxico por si só não une pessoas, devendo ser entendido a partir de contextos mais amplos de identificação, distinção e hierarquia. Nas palavras de Velho, “o tóxico só pode ser entendido contextualmente. Mas verifica-se que na nossa sociedade, de uma maneira ou de outra, ele é símbolo de diferenciação (...) Na medida em que se incorpora ou que é compreendido não isoladamente, mas como sendo um item de um estilo de vida, vai ser mais um elemento que contribuirá para o estabelecimento de hierarquias internas a uma classe, categoria ou estrato” (Velho, 1998: 205).

Este trabalho é, portanto, a etnografia de um cenário espacial e social bastante distinto, a rua, que possui um comum fato de congregar pessoas que se interessam por “drogas”.

A principal forma escolhida para perseguir estas questões e apresentar esta dissertação foi a etnografia. Busquei neste grupo saber deles suas visões que se tinha de “droga” e em que medida elas estavam relacionadas com o contexto espacial, social e institucional, a racionalização da experiência por parte dos agentes e suas relações com o tráfico de “drogas” e com a ilegalidade.

DROGA E CONCEITO

Partindo também do mesmo pressuposto – o de que a questão das “drogas”, desde sua instituição nas sociedades contemporâneas, foi guiado por Maurício Fiore (2004), este, discorre acerca das “controvérsias médicas e a questão do uso de ‘drogas’”.

É preciso lembrar que a definição de “drogas” é contextual e dificilmente pode ser considerada uma qualidade intrínseca da substância. Em seu estudo, Fiore mostra como o uso do termo “drogas” entre os médicos torna possível a comunicação com os pacientes e com a mídia através de um significado publicamente compartilhado, o que não ocorreria com o uso de outros termos como “substâncias psicoativas”. Neste contexto, “o uso da palavra ‘droga’ possibilita que um campo semântico comum – entre os médicos e os ‘leigos’ possa ser compartilhado” (Fiore, 2004:60). Há, com isso, uma contraposição entre a complexa definição do termo “drogas” e a ausência de debate ou até mesmo de uma reflexão mais detida sobre o assunto na medicina.

“por mais distante que o significado farmacológico do termo ‘drogas’ esteja do seu emprego mais comum, é a este último que se referem preferencialmente muitas das falas dos médicos, inclusive aquelas de caráter oficial. Se, por um lado, o emprego do termo “drogas” em seu sentido comum se configura numa opção, posto que o médicos, como foi verificado, percebem as diferenças entre o repertório farmacológico e a linguagem comum, por outro, tal opção está relacionada ao fato da medicina ser parte de um debate já bastante consolidado e com seus termos muito bem definidos.” (Fiore, 2004:63)

Mas só a definição médica não basta, na medida em que ela é insuficiente para explicar, por exemplo, os juízos valorativos que comportam as “drogas”. É preciso também lembrar que a ilegalidade e a criminalização destas substâncias contribuíram significativamente para que elas se tornassem alvo de debate público, perseguição policial e julgamento moral. Portanto, medicalização e criminalização estão na base da restrição do vocábulo, tal como o compreendemos hoje.

Estando, pois, ciente de todos esses dilemas e cuidando de sua (im)precisão terminológica, faço a opção de continuar usando o termo “drogas” com aspas para indicar uma tentativa de problematizá-lo. Na medida do possível, utilizarei o próprio nome da substância: maconha, cocaína e crack.

SUJESTÃO – CAUSAS: As drogas nas ciências sociais.

Pobreza, lares desfeitos, más companhias, tráfico de drogas, violência, falta de diálogo entre pais e filhos, curiosidade, valorização do proibido e do risco, “coisas da juventude”, fuga da Realidade, busca de identidade, poucas perspectivas de futuro, prazer da transgressão, políticas públicas precárias, criminalidade organizada, individualismo, modernidade. Muitas são as tentativas de explicação para o uso de “drogas” na Contemporaneidade.

Apresentar soluções para esta realidade é algo que não está nos objetivos e finalidades deste trabalho. Este é apenas para descrever os processos e tramitações deste determinado grupo. Muito mais que buscar soluções para o problema, é saber de onde ele emana. Assim como Carlos Rodrigues Brandão, em seu livro A cultura da Rua, o autor diz que estudar os processos que se desenvolvem muitas vezes é uma forma de encontrar as soluções para eles.

Os estudos sobre uso de “drogas” em antropologia, de uma maneira geral, tematizam suas propriedades simbólicas e as influências e efeitos da cultura sobre tais experiências. A preocupação em descrever o contexto social onde tal uso é praticado e concebido foi certamente uma das principais contribuições desses estudos para o entendimento da questão. Os trabalhos pioneiros de Howard Becker (1971[1963]; 1977) inspiraram e ainda inspiram muitos estudos realizados no Brasil no assunto. Para Becker, “na medida em que as drogas têm tantos efeitos, esses podem ser interpretados de várias maneiras e assim refletem influências contextuais extremamente sutis” (Becker, 1977: 182).

Segundo ele, se as experiências com as drogas de alguma forma refletem ou estão relacionadas com cenários sociais, cabe ao cientista social especificar os cenários nos quais as drogas são experenciadas e os efeitos específicos desses cenários nessas experiências, bem como entender o processo pelo qual alguém faz uso de drogas continuamente. Estudando o uso de maconha entre músicos nos Estados Unidos, o autor considera que o consumo de drogas é sobretudo interessante para uma “teoria do desvio”

É importante dizer que Becker não inaugura uma teoria do desvio. Ao contrário, a preocupação com questões relacionadas ao desvio e à normalidade figura como resultado de um processo histórico de tentativa de compreensão de um cenário social, recorrente nas grandes cidades européias e americanas em fins do século XIX, caracterizado por criminalidade, prostituição e suicídio e, conseqüentemente, projetos de saneamento médico e higienização.

“os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui o desvio e ao aplicar tais regras a certas pessoas em particular, qualificam-nas de outsiders. Deste ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato cometido pela pessoa, mas uma conseqüência da aplicação que outros fazem (...) O desvio é, entre outras coisas, uma conseqüência das respostas dos outros aos atos de uma pessoa” (Becker, 1971:19, tradução minha)

DROGA – DESVIO E REGRAS

Para Becker, todos os grupos criam regras e tentam impô-las. Tais regras, por sua vez, definem certas situações e os tipos de comportamentos apropriados para as mesmas, prescrevendo alguns atos como “corretos”, outros como “incorretos”. Quando se impõe uma regra, a pessoa que se imagina ter quebrado esta regra, pode ser vista como um tipo especial de indivíduo, alguém de quem não se pode esperar que viva de acordo com as regras do grupo.

Assim, aprender a gostar de maconha é uma condição necessária para o consumo estável da droga. Nesse sentido, Becker e sua abordagem convidam à compreensão do desvio como um processo em constante elaboração, no qual o indivíduo pode ou não se engajar. Os usuários, ao longo dessa experiência, também passam a ter uma outra concepção da sociedade mais ampla, e começam a criticar aqueles que os julgam.

NOBRES E ANJOS

O trabalho de Gilberto Velho, Nobres e Anjos, foi bastante influenciado pelo trabalho de Becker, guardando com este muitas semelhanças. Em Nobres e Anjos, a questão do uso de tóxicos – como já visto antes – foi compreendida a partir de um contexto sócio-cultural, como parte de um estilo de vida e de uma visão de mundo. E é este ponto que focalizo em meu trabalho, jovens de classe média e certa consciência de sua visão de mundo.

O antropólogo parte da própria visão de mundo desses grupos que classifica as pessoas em função de sua relação com os tóxicos. No entanto, o autor declara que a utilização de tóxicos entre os membros dos grupos foi apenas um ponto de partida para tentar fazer uma análise sistemática de certos estilos de vida e visões de mundo que estariam associados a esse comportamento considerado, em princípio, como desviante.

“Tendo realizado a pesquisa numa grande metrópole, numa sociedade estratificada, tive oportunidade de verificar que os tóxicos são utilizados e reprimidos de forma bastante diferenciada, basicamente em função da classe social, estrato ou grupo de status a que pertença o consumidor.” (Velho, 1998: 204)

Becker, Howard. “Como se llega a ser fumador de marihuana”. Los extraños:sociologia de la desviácion. Buenos Aires, Tempo Contemporâneo: 1971 [1963]. ______________. “Consciência, poder e efeito da droga”. Uma Teoria da Ação Coletiva. RJ: Zahar ed, 1977.

Evans-Pritchard, Edward E. “Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo”. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed, 2005[1976]

Fiore, Maurício. Controvérsias médicas e a questão do uso de “drogas”. São Paulo- SP. Dissertação de Mestrado – USP/FFLCH, 2004.

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